Autor: Gilponês // http://centralhiphop.uol.com.br
• Parábola: o embate entre MC Novato e MC FlashbackMC Novato conheceu o rap há pouco tempo. Talentoso, faz parte da "geração MPC": utiliza instrumentais produzidos em softwares modernos e desenvolveu sua levada pesquisando o rap gringo no YouTube e baixando gigabytes de músicas por semana. Em seus raps, trata de diversos temas contemporâneos, sem medo de falar sobre assuntos inusitados, como metafísica, cibernética, semiótica ou realidade aumentada. Torce o nariz para rappers antigos, que considera "quadrados", atrasados no tempo, e que para ele parecem só falar dos mesmos temas: racismo, criminalidade, periferia, favela, lei das ruas...
MC Flashback conheceu o hip-hop quando ainda nem sabia direito do que essa cultura se tratava. Começou a fazer rap de forma ingênua, nas ruas e praças, utilizando como "instrumentais" os sons de palmas e batuques em latas de lixo. Muito antes da MPC, produzia rap recortando e colando fitas magnéticas no arcaico e charmoso deck de rolo. Na época, voltava a pé do serviço para economizar dinheiro e, uma vez por mês, comprar algum vinil importado. Mesmo sem entender o que os MCs gringos diziam, sentia energia no som que emanava das bolachas pretas. Seus primeiros raps tinham letras ingênuas, mas muito verdadeiras, falando de diversão e amor, com leves protestos satíricos sobre o cotidiano que vivia - críticas que, com o passar do tempo, se tornaram mais ácidas e contundentes.
Alguns amigos de MC Novato tentaram apresentá-lo à música de MC Flashback, mas o garoto nem quis saber. "Este som é uma droga, mal produzido. A letra é boba, a levada é sempre a mesma. A capa do disco é horrorosa... Vejam essa roupa, que ridícula! Não escuto isso nem a pau", ridicularizou MC Novato. Ele nem quis saber se MC Flashback apanhou da polícia por fazer rap na rua, se na época havia precariedade de recursos para gravar ou se ele teve de abrir portas em gravadoras num tempo em que quase não havia fonogramas de rap. Gostava mesmo é de acompanhar o rap norte-americano contemporâneo - em alguns casos, cheio de luxo, mulheres, bebidas, carrões, mansões cenográficas e dinheiro de Banco Imobiliário.
Quando soube que MC Novato desdenhou de sua história, MC Flashback ficou bronqueado. "Quem esse moleque pensa que é?", indignou-se. Profundamente irritado, acabou criando um conceito negativo generalizado contra todos os MCs da geração de Novato. "São todos uns aborrecentes fedelhos que chegaram ontem e não conhecem a minha caminhada", começou a espalhar, entre os outros MCs de sua geração, declarando uma guerra silenciosa àqueles MCs que tinham levadas diferenciadas, sons bem produzidos, usavam vestuário moderno e vocabulário complicado... mas eram ingratos e, em sua opinião, mal tinham deixado as fraldas.
O que Novato e Flashback não perceberam é que eles não representavam duas faces distintas ou opostas de uma cultura, mas sim uma única semente artística semeada em períodos diferentes, separados por 15, 20, talvez 25 anos. Sob diferentes roupagens, gestos e gírias, as duas gerações carregavam o mesmo DNA. Por isso, precisavam perceber que a palavra de ordem era continuidade, e não ruptura: um dependia do outro para que os nomes de ambos pudessem ser registrados na história.
Na realidade, ambos estavam equivocados. MC Novato precisava, no mínimo, conhecer a história de MC Flashback e respeitar a bravura de seu pioneirismo - por ele ter enfrentado a carência de recursos e informações e, mesmo assim, persistido com o intuito de se expressar a qualquer custo. E MC Flashback precisava perceber que merecia respeito, sim, mas o fato de pertencer a uma geração anterior não o fazia superior a MC Novato, nem o dava autoridade para julgar-se "acionista" de uma cultura que não tem donos.
Ambos não perceberam que o presente é um elo, e não um muro, entre o passado e o futuro. E, tristemente, acabaram gerando discípulos tão equivocados quanto eles, enfraquecendo uma cultura que teria seu potencial amplificado se conseguisse permanecer coesa.
PAZ A TODOS
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